Thursday, January 04, 2007

Elas

Ela é soprano. Não vê a hora de ter filhos, todos dizem que nasceu pra ser mãe. Em dias de chuva, imagina a risada gostosa que eles vão ter, o barulho das correrias e brincadeiras pela casa, o cheirinho bom de bolo que ela vai fazer pra eles. Ela quer se casar, mas não precisa ser em Igreja não, contanto que seja de branco e tenha chuva de arroz no fim. Vai ser uma ótima dona de casa, daquelas que põe a mesa pro marido que chegou morto do trabalho. Cuida das plantes, tem um jardim lindo, flor, borboleta, passarinho, balanço. "As crianças vão gostar!" Usa vestido rodado, estampadinho, acha lindo, se sente mais mulher. O marido gosta, a sente mais menina.
É feliz, desde já, desde que nasceu. Vai ser feliz, até a hora da morte, até agora.

Ela já teve o cabelo de todas as cores do arco-íris, "uma hora cai!", vive dizendo sua mãe. Não sabe se gosta mais de meninas ou meninos. Acha confortável passar noites fora, beber e fazer amizades instantâneas. Gosta de provocar homens mais velhos e cometer pequenos furtos. Nunca teve um namorado de verdade, apesar de construir uma imagem de menina super poderosa, é insegura e tem medo de se entregar. Sempre quis ter uma parede preta no quarto e espelho no teto, agora que seu pai morreu, acha que a mãe vai deixar. Pensa em fazer moda ou ser tatuadora se não se suicidar antes dos 25. Por hora, deixa o cabelo vermelho pra realçar o verde do olho.
É infeliz, desde já, desde que nasceu. Vai ser feliz, depois da morte, agora.

Ela é bem sucedida. Apesar de todos os traumas de infância, de ter perdido o pai cedo, etc. Sua mãe era doidona, vivia um eterno Woodstock. Ela nunca quis aquela vida desregrada, ser vegetariana, ser nômade. Queria o turbilhão do século XXI, e conseguiu. Altiva, sapatos caros, de vez em quando cheira pó, mas prefere o whisky no conforto da casa. Tem amigos, faz jantares, "ela é ótima!". Se mastuba com frequência e adora seu batom vermelho. Sai pra dançar, "ballet clássico, a única coisa sensata que ela fez na vida!", se perguntam seu nome, ela sempre mente. Realiza todas suas fantasias sexuais interpretando personagens com os desconhecidos que leva pra casa. Já pensou em ter filhos, mas desistiu da idéia, não tem tempo, fuma muito, gosta do silêncio. Vai se apaixonar pelo entregador de pizza que está tocando a campanhia.
É bipolar, desde já, desde que nasceu. Vai ser feliz, pra sempre.

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